terça-feira, 26 de junho de 2007

Olhos pesados

Morri, e faz pouco. Não deixei herdeiros nem mulher. Vivi sozinho durante todos esses anos em um quartinho de hotel aqui no centro, muito aconchegante. Espaço pequeno, porém útil. Ali se servia todas as minhas necessidades: café, cigarro, mulheres, vinil, uísque e solidão. Nada me faltou. Mas morri. Não suportava mais as buzinas, as aglomerações, os vendedores de rua, os crentes nas ruas e a própria rua. Tudo ganhava contorno de cinza, homogeneizados pelo concreto, pelo pixe e pelas praças escuras. Ninguém mais freqüenta praças. Perdeu-se o costume de sentar-se no banco, abrir um jornal, passear com a amada, ver as estrelas. Esfriaram-se os sentimentos de uns tempos pra cá, pois uma belo olhar não mais consola. Calor humano compra-se, agora, em boates. Confundiram tudo.
Sabia que iria morrer. Andava cabisbaixo sem saber o porquê, fitava excessivamente coisas tolas e de tolo me fazia. Caminhava sem destino certo e minha bengala já estava cansada de tanto peso. Olhava ao redor e todos pareciam máquinas raivosas, sem tempo para um café, para uma conversa – não sabiam conversar. Estavam impregnados de rotina e cheirando a ignorância, perderam o tempo do convívio ao próximo para organizar planilhas. A equivalência estava formulada: crescer = ganhar = dinheiro = felicidade. Enquanto não sossegam, os eternos infelizes continuam na sala de jantar, como já diziam Caetano e Gil. A tristeza me tomava tanto ao ponto de chorar sozinho, com pena dos rumos dessas vidas. Que equivalência podre! Suas vidas valiam tão pouco que as dedicavam interinamente para a captura ininterrupta de dinheiro. Nada aprenderam.
E numa dessas crises de preocupação, em meio às bebidas e outros vícios que me consumiam ao longo da vida, percebi o valor da liberdade – aquela a qual poucos conhecem e que o dinheiro não compra: a loucura sensata. Quando me dei conta já era tarde. Os sinos tocaram e vieram em minha busca, levando-me a passos lentos a um lugar desconhecido, porém louco. Fui acomodado em uma roda de conversa baixinha onde os pássaros tinham a preferência e seus cantos embalavam a paz que lá possuía. Quando percebi estava vestido de branco e não precisava mais da velha bengala; meu corpo fluía como pluma. Aos poucos percebi um céu azul e clima agradável, todos em convivência fraterna. Competição apenas no futebol, e tudo levado à esportiva. Encontrei um olhar oposto que me entendeu de prima. E ao encontro fui. Não precisei fingir que gostava de pagode; o som do coração era supra-sumus. Tudo nela me agradava, até seus defeitos me encantavam, pois compreensão sobrava naquele lugar. Era linda demais. Neste instante percebi que morri. Já era tempo.

Um comentário:

Antonieta de Barros disse...

Todos usando raider...

Zé, nem li esse teu texto. Não tive tempo, só queria deixar esse recado pra Confraria... :)

Axé.